sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

À beira do caos


Tudo estava planejado: você iniciaria o dia com a roda de conversa e, depois, desenvolveria atividades artísticas. Os pequenos fariam desenhos, sentados nas carteiras, até a hora do recreio. De repente, um tumulto, uma agitação. Em segundos, eles corriam de um lado para o outro, gritando, chorando, chamando por você. Que desespero! Você pede a atenção de todos, mas o barulho é tamanho que ninguém escuta a sua voz pedindo silêncio. O que fazer? Gritar também? Sair correndo? Sentar e chorar?

Nessas ocasiões, somente calma, jogo de cintura e conhecimento sobre as causas da desordem ajudam a encontrar a melhor saída. NOVA ESCOLA ouviu cinco professoras que ficaram à beira de um ataque de nervos. Especialistas comentam os episódios, explicando os motivos que levaram à desordem, dão dicas de como agir e indicam a melhor maneira de evitar que episódios desse tipo se repitam.


1 "Vou ficar sem chocolate"

Um caso de contágio emocional
Ilustração: Thais Beltrame



- OS FATOS "Perdi o controle da classe em uma situação bastante inusitada. Uma garota foi viajar com a família no período de aulas e prometeu aos colegas que traria chocolates para todos na volta. A turma de 4 anos aguardou ansiosamente o retorno. No dia em que a viajante chegou, estávamos sentados no chão, terminando uma roda de conversa. Ela apareceu na porta, com uma enorme caixa enfeitada.

As crianças ficaram hipnotizadas. Peguei o pacote e comecei a distribuição, mas a garotada avançou. 'Também quero!' 'Tem pra mim?' 'Eu vou ficar sem!' Coloquei a caixa em uma prateleira e avisei que comeríamos chocolate apenas na hora do lanche. Tentei organizar a classe, sugerindo que a menina contasse sobre a viagem. Foi tudo em vão. A euforia não acabou, as crianças continuaram nervosas e não consegui fazer mais nada."
Marta Rosa, Escola Miguilim, São Paulo, SP

- O QUE ACONTECEU? Essa é uma manifestação característica de contágio emocional. Ela ocorre quando um determinado fato desencadeia fortes emoções em um grupo. O filósofo e médico Henri Wallon (1879-1962) atribui significativa importância à reação coletiva no âmbito da Educação. Ele afirma que a emoção cria uma relação imediata entre os indivíduos, apontando para a união e para a cooperação (nos casos positivos) e para o conflito (nos negativos). Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), destaca que, no caso de Marta, houve dissonância entre o critério da professora e o dos pequenos. A primeira, como adulto que é, julgou o fato com racionalidade, levando em conta que existe hora certa para comer chocolate, conversar e brincar. Já as crianças queriam atender a seus desejos e fazer o que é mais agradável no momento.

- O QUE FAZER? Como é difícil para os pequenos controlar emoções e reações, a melhor atitude é tentar conciliar os interesses do grupo. "A professora poderia ter distribuído a guloseima ao mesmo tempo em que a garota contava sobre os lugares visitados", sugere Macedo.

- COMO EVITAR? Em casos de emoções descontroladas, a melhor solução é deixálas fluir, em vez de tentar abafá-las com regras que ainda não foram discutidas pelos pequenos (portanto, desconhecidas), e propor uma alternativa para que os desejos sejam atendidos.

2 "Ops... Caiu..."

Típico teste de limites
Ilustração: Thais Beltrame

- OS FATOS "Eu já era professora há oito anos e, apesar disso, passei um sufoco danado quando precisei lidar com um menino de 3 anos que me testava o tempo todo. Havia na sala uma bancada repleta de brinquedos. No meio das atividades, ele se levantava, colocava a mão sobre o móvel e me lançava um olhar desafiador, ameaçando derrubar tudo no chão. Não dava outra: era só eu falar que não podia para ele colocar tudo abaixo. Eu ou a assistente reorganizávamos o espaço. Uma vez, fiquei a seu lado até que ele mesmo arrumasse a bagunça. Mas, quando estava quase terminando, o garoto derrubava tudo novamente. Nesse dia, não demorou muito para as outras crianças se agitarem, falando alto, puxando e empurrando uns aos outros. Percebi que elas também queriam a minha atenção. Pedi, então, para a auxiliar levá-las ao parque até a hora da saída. Já o menino permaneceu meia hora a mais na sala, mas colocou todos os brinquedos no lugar."
Thais Silva, Escola Baby Mel, Salvador, BA

- O QUE ACONTECEU? A criança estava claramente testando limites. A percepção do que pode e do que não pode só é incorporada pelos pequenos aos poucos. Experimentar para saber até onde chegar com suas atitudes é uma ferramenta natural de aprendizado. Por volta dos 3 anos, a criança inicia a descoberta do outro e, nessa fase, ela precisa também saber até onde pode ir em relação a ele. Um caso como o descrito também pode ser interpretado como uma maneira de disputar poder com o adulto. Mas existe outro aspecto a ser ressaltado: o valor "ordem" está construído apenas na cabeça dos adultos. Na perspectiva da criança, a bagunça significa uma possibilidade de exercer a criatividade. Quando ela desarruma a prateleira, tem a possibilidade de descobrir diferentes formas e caminhos para organizar os brinquedos.

- O QUE FAZER? Quando os limites são colocados à prova, a criança não pode ganhar. Do contrário, terá a certeza de que está comandando a situação. A sanção por reciprocidade (termo usado por Jean Piaget [1896-1980] para caracterizar punições que têm por finalidade reparar o dano causado) aplicada pela professora foi correta: desarrumou, tem de arrumar. É também uma forma de a criança se redimir pelo que fez.

- COMO EVITAR? Sempre haverá crianças que necessitam de atenção mais individualizada em alguns momentos. "Aliás, este conflito diário acontece em todas as escolas: como atender o todo e cada um ao mesmo tempo?", reflete Lino de Macedo. Por isso, é importante ter sempre dois educadores em sala para um dar cobertura ao outro.

3 "Eu também quero..."

O caso da classe (des)organizada
Ilustração: Thais Beltrame

- OS FATOS "Durante a Semana do Livro na escola, uma das atividades programadas para a minha turma era montar uma maquete do Sítio do Picapau Amarelo. Como nem todas as crianças se interessaram, realizei o trabalho com apenas algumas. Às outras, sugeri que lessem ou brincassem. Assim que abri o primeiro pote de tinta para pintar a base da estrutura, quem havia ficado de fora foi se aproximando. O burburinho aumentou quando os personagens começaram a surgir dos recortes no papel-cartão. Todos queriam participar, mas não havia material. Parei tudo, coloquei a maquete no meio da sala e fui relembrando as histórias de Monteiro Lobato. Só assim conseguimos terminar o projeto."
Rosiane Perovano, EMEI Teresita Borrini Farina, João Neiva, ES

- O QUE ACONTECEU? A classe foi dividida em dois grupos, porém os objetivos de um não estavam relacionados à atividade principal, para a qual havia mais dedicação da professora.

- O QUE FAZER? Para Zilma de Oliveira, professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, uma vez estabelecida a situação, impedir que parte da turma entre na atividade significaria adotar uma postura autoritária e, novamente, excludente. "Nessas horas, é preciso ter flexibilidade para acolher os que ficaram de fora e rapidamente reorganizar a classe, como fez a professora."

- COMO EVITAR? A situação relatada poderia não ter ocorrido se tivessem sido adotados critérios didáticos durante a organização da classe. A divisão das crianças em grupos para a realização de diferentes tarefas não é um problema em si. Porém todas precisam estar relacionadas ao mesmo objetivo. O psicólogo espanhol César Coll, professor da Universidade de Barcelona, aponta que em atividades em grupos o professor precisa ficar atento às condições de trabalho. Isso inclui cuidar da composição das equipes e da distribuição de tarefas, dar as instruções iniciais, explicar o que será feito, construir possibilidades de interações entre os grupos e, principalmente, fazer com que todos participem do resultado final coletivo.

4 "Foi ele quem começou!"

Briga entre os pequenos
Ilustração: Thais Beltrame

- OS FATOS "Quando eu trabalhava com uma sala de 5 anos, costumava ter como primeira atividade do dia uma roda de conversa. Às segundas-feiras, falávamos sobre o fim de semana. Naquele dia, todos chegaram muito agitados e, nem bem iniciamos o bate-papo, duas crianças começaram a se provocar. Achei que não ia dar em nada e continuei a ouvir os outros. Mas a briga iniciou rapidamente e a turma se dividiu em duas torcidas. Eu e a outra professora seguramos os 'brigões' e, quando tudo se acalmou, sugeri que fôssemos ao parque extravasar."
Maricélia Rocha, CEI Grão da Vida, São Paulo, SP

- O QUE ACONTECEU? As brigas nessa idade estão ligadas a padrões de sociabilidade. As crianças observam que muitos adultos resolvem os conf litos usando a força física e acabam adotando esse comportamento por observação.

- O QUE FAZER? Depois de separar os envolvidos na briga do resto do grupo, é importante esperar que eles se acalmem para depois conversar individualmente, incentivando-os a expor os próprios sentimentos e a ref letir sobre os dos outros. Na maioria dos casos, agressões físicas ou verbais são algumas das maneiras que os pequenos têm para se expressar. Uma conversa com os dois juntos é essencial, assim como a discussão posterior com a turma toda reunida, mostrando que os conf litos acontecem (dentro ou fora da sala) e não devem ser encarados como algo anormal. Existem, porém outra maneira de resolvê-los.

- COMO EVITAR? É preciso ficar atento a esse tipo de situação e isolar as crianças antes que o conflito se espalhe para o resto da classe. Além disso, o episódio rende assunto para uma próxima roda de conversa sobre, por exemplo, atitudes amistosas entre os colegas e dificuldades no convívio. "Manter um bom relacionamento é difícil para todo mundo. Imagine, então, para quem tem 5 anos", diz Zilma de Oliveira.

5 "O que eu faço agora?"

Quando o planejamento dá errado
Ilustração: Thais Beltrame

- OS FATOS "Sou professora de uma turma de 4 anos e conto com a ajuda de uma auxiliar. Certo dia, ela se ausentou para ir ao médico. Como ficaria sozinha durante um longo período depois da hora do recreio, quando os pequenos voltam bem agitados, organizei uma atividade que, na minha opinião, seria bem tranqüila: finalizar um trabalho de arte iniciado na semana anterior. Quando as crianças já estavam de volta à sala, fui procurar os desenhos e não os encontrei. Enquanto buscava desesperadamente o material, pedi que a turma pegasse os gibis e livros que tínhamos espalhados pelos cantos, o que não estava programado. Os pequenos ficaram muito confusos e em pouco tempo estavam em polvorosa. Bateu aquele desespero! Coloquei-os em roda e sugeri cantar uma música mágica: a música do silêncio. Foi a salvação!"
Mariana Cardoso, Escola Espaço Nossa Casa, São Paulo, SP

- O QUE ACONTECEU? A falta de organização antecipada dos materiais e de um plano B foram os motivos do tumulto. As crianças se sentiram desorientadas porque provavelmente não tinham o hábito de usar livros e gibis em sala - a atividade que foi sugerida. A professora ainda teve de lidar com o próprio emocional, que estava abalado: a inquietação dela certamente foi percebida pela garotada, e um nervosismo alimentou o outro. Junte-se a isso os elementos de frustração da professora, e está instalado o caos.

- O QUE FAZER? Apesar de não estar preparada para um contratempo, uma vez que o tumulto foi instaurado, a professora conseguiu ref letir e agir corretamente. Ao propor uma atividade envolvendo música e canto, ela começou a mudar a atmosfera emocional não apenas das crianças, mas principalmente a dela, o que também ajudou a estabelecer novamente a calma e a reorganizar tudo.

- COMO EVITAR Heloísa Dantas, professora da Faculdade de Educação da USP, alerta: estar preparada para a sala de aula significa não só ter o planejamento em mãos, antecipando possíveis contratempos, mas também ter o ambiente arrumado com antecedência. E nem tudo precisa ser resolvido pelo professor. Uma possibilidade é familiarizar as crianças com um espaço planejado para que elas tenham autonomia e atuem de maneira exploratória em qualquer situação, mesmo as não previstas ou combinadas.

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